terça-feira, 17 de setembro de 2013

O Estado imbecil do liberalismo

“O conceito da liberdade ilimitada e arbitrária, e o conceito agnóstico do mundo inacessível ao entendimento humano, aonde se relegam as verdades religiosas, produziram como aplicação política um monstro singular que se chama Estado neutro. A neutralidade do Estado em matéria religiosa! Em uma sociedade dividida em crenças, quer se refiram à ordem natural ou à sobrenatural, o Estado não pode ter mais que três posições e adotar três atitudes: pode representar a maioria das crenças dessa sociedade, pode representar um fragmento, ainda que seja a maioria delas, ou pode tentar a representação daquilo em que coincidam todos.
No primeiro caso, fará do comum regra, que tratará de estender-se e converter-se em única. No segundo, elevará a exceção a regra comum, não expressando a opinião dos mais, mas impondo a dos menos, embora, logicamente, invocando a democracia e a vontade coletiva. No terceiro caso, a representação do que é comum acima do que é diferente é a que se costuma invocar para disfarçar o segundo, que é o que se pratica. Pode existir esse Estado neutro?
Quando a divisão entre as crenças é tão profunda que da ordem sobrenatural transcende às primeiras verdades da ordem natural; quando os homens não estão de acordo nem acerca de sua origem, nem de sua natureza, nem de seu destino, nem, por conseguinte, acerca de suas relações, nem das normas de sua conduta, então a oposição é tão grande, que o Estado que cruze os braços em presença dessas diferenças se encontrará colocado em uma situação muito estranha: ele se declarará indiferente ante as diferenças, e não será raro que os crentes e os não-crentes dêem de ombros e se declarem também indiferentes, com uma indiferença que faça causa comum com o desprezo, a uma entidade que não toma parte naquelas coisas que mais interessam aos homens.
Estado neutro! Um Estado que não sabe nada nem afirma nada acerca das crenças em um mundo sobrenatural e das relações com ele, que não sabe nada acerca das origens do homem, que ignora qual é a natureza humana, qual é seu destino e quais são as normas de sua vida individual e social, é um Estado tão estranho, que, ao não afirmar nada do que aos homens mais importa, ao elevar a dogma a ignorância, que por ser de coisas supremas é a suprema ignorância, vem a declarar-se inútil e imbecil.
Imbecil, sim, porque o Estado idiota, como o chamava graficamente Campoamor, é aquele que não sabe nada dos problemas que o sepulcro levanta e dos problemas que o sepulcro resolve. Declara-se incapaz de governar alguém quem diz, referindo-se à ordem religiosa e à ordem moral e ao fundamentalmente jurídico: “Eu não posso afirmar nada dessas coisas, porque não sei de nada.” E qual é a conseqüência imediata desse conceito de Estado neutro? A de não intervir nesses problemas que ele mesmo declara que ignora, a de declarar-se incompetente e deixá-los aos que os conhecem, já que ele emite para si mesmo uma certidão de incompetência e até de imbecilidade.
E, no entanto, faz tudo ao contrário. É o Estado que mais intervém. E por que intervém? Porque sua neutralidade em relação a todas as crenças que lutam e que combatem na sociedade não é mais do que o resultado de um juízo em que as declara duvidosas, reduzindo-as a meras opiniões; e ao trasladar seu parecer aos atos e às leis, impõe esse juízo, afirmando a negação ou a dúvida, quer dizer, impondo a impiedade ou impondo o ceticismo como dogmas negativos de um Estado que, além de ser idiota, vem a declarar-se Pontífice ao revés.
Esse Estado intervém no ensino; e – coisa singular, senhores! - o Estado, que não é agricultor; o Estado, que não é industrial; o Estado, que não é comerciante, embora tenha a obrigação de cooperar e de favorecer o comércio, a agricultura e a indústria, o Estado se declara a si mesmo, não cooperador nem fomentador do ensino, mas pedagogo supremo e até mestre único. E que contradição tão singular! Não sabe nada dos problemas mais transcendentais, dos que foram sempre os primeiros em todos os momentos da História, e ao mesmo tempo não tolera competências e quer ser mestre único das gerações presentes e vindouras! Pode-se conceber que um Estado que afirme uma ordem natural e sobrenatural, que um Estado crente como o das idades cristãs, e até um Estado budista, ou um Estado muçulmano, trate, servindo como um instrumento à crença que professa, de levá-la à prática e de infundi-la; mas que um Estado que se declara a si mesmo interconfessional, que declara que não sabe nada do que ninguém deve ignorar, nem por obrigação, nem por cultura, se declare a si mesmo incompetente, primeiro, e o mais competente, depois, para intervir no ensino, isso é o absurdo. E, no entanto, vede como intervém. A gradação é a seguinte: primeiro se declara facultativo no ensino o ensino religioso; depois se declara neutra a escola, e mais tarde se suprime a religião até nas escolas privadas, centralizando o ensino nas públicas, e dispersando os mestres religiosos para que atrás da ignorância religiosa venha o ódio da escola francamente atéia.”
(Juan Vázquez de Mella y Fanjul, Examen del Nuevo Derecho a la Ignorancia Religiosa)