quinta-feira, 9 de abril de 2015

Desvarios materialistas

“A tragédia aérea recente nos permite uma reflexão sobre os desvarios das sociedades que negam as realidades sobrenaturais. Trata-se de uma reflexão que sem dúvida soará estranha a positivistas, materialistas, empiristas e, definitivamente, a todos aqueles que, por preconceitos filosóficos, escrúpulos metodológicos ou simples desinteresse rejeitam toda tentativa metafísica de explicar a realidade através de suas causas últimas e recorrendo a entidades cuja substância (falamos de Aristóteles!) não se submete ao método científico. Desnecessário dizer que isto exclui a maioria de nossos contemporâneos; mas uma das vantagens de envelhecer é que, como o personagem do romance, só se diz a própria canção a "quem comigo vai", deixando os demais tão contentes com sua surdez; e também que se aprende a escrever sem respeitos humanos.
O primeiro desvario é de natureza trágica. A negação da realidade substancial e permanente da alma transformou a psicologia em uma barafunda informe que só estuda "acidentes", percepções ou fenômenos psíquicos, sãos ou avariados. Mas, uma vez negada a existência da alma, resulta de todo impossível compreender (e muito menos combater) enfermidades como a que pôde levar o piloto Andreas Lubitz a precipitar o avião com todos seus passageiros dentro, que não são meras enfermidades dos "acidentes" psíquicos, mas enfermidades da substância anímica, invadida e gangrenada pelo preternatural. Quando nos negamos a considerar as enfermidades da alma, nosso destino inevitável é sofrer cada vez mais enfermos deste tipo, como a experiência (viva o empirismo!) demonstra. Cada vez teremos mais destes tipos que precipitam aviões, mais destes tipos que metralham crianças nas escolas, mais destes tipos que esquartejam mulheres, etcétera. Antigamente, quando se cria na existência da alma, eram chamados de endemoniados; hoje, mais refinada e erroneamente, denominamo-los psicopatas.
O segundo desvario é mais de natureza tragicômica. Nas sociedades religiosas, a vida é uma preparação para a morte, na qual o principal empenho do homem é a salvação de sua alma (que, ao final, permitirá que seu corpo desfrute algum dia da glória). Nas sociedades materialistas, ao contrário, a vida se ensimesma na conservação de sua pobre realidade material; e é-nos prometido que a ciência, a técnica, a democracia, a ginástica e a dietética (o sacrossanto progresso!) velam pela glória dessa vida material (ainda que, ao final, tais promessas bajuladoras se resumam a um saudabilíssimo cadáver com a alma apodrecida). Em uma sociedade religiosa, uma tragédia aérea como a que acabamos de sofrer serviria para escutar sermões formidáveis sobre o poder igualitário da morte, sobre a obrigação de manter nossa lâmpada acesa (porque não sabemos nem o dia nem a hora) e sobre a necessidade de acumular tesouros no céu, onde não há traça nem ferrugem que os corroa, nem ladrões que os roubem; e com isto e com rezar pela alma dos mortos, as pessoas encontrariam consolo e alegria. Em uma sociedade materialista, ao invés, andamos como estouvados buscando caixas pretas, convocando minutos de silêncio ("a casca vazia da oração", chamou-os Foxá) e disparando responsabilidades civis e penais em todo lugar; mas nenhuma destas palhaçadas nos vai devolver os mortos, nem, muito menos, vai buscar a salvação de suas almas.
E telejornais, muitos telejornais, que são os sermões cretinizantes e aturdidores com os quais são adormecidas as sociedades materialistas."
(Juan Manuel de Prada, Desvaríos Materialistas)