sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Miguel Ángel Landa: A Venezuela desapareceu

“Confesso: não tenho idéia de onde estou nem sei para onde vou. As referências que eu tinha, e que me orientavam na Venezuela, desapareceram. É como voar em meio à neblina, sem rádio e sem instrumentos. Nasci e cresci em Caracas, mas não sou mais caraquenho: já não me acho mais neste lugar, hoje transformado em aterro sanitário e em manicômio, povoado por pessoas estranhas, imprevisíveis, sem taxonomia.
Ao longo da minha vida, percorri quase todo o país, sentindo-o, incorporando-o ao meu ser, tornando-me parte dele. Hoje não o reconheço, não o encontro. O estrangeiro sou eu. Oito gerações de antepassados venezuelanos não me fazem sentir-me em casa. Mudaram a nossa comida, os odores da nossa terra, as lembranças, os sons, os costumes sociais, os nomes das coisas, os horários, nossas palavras, nossos rostos e expressões, nossas piadas, nosso modo de amar, o comércio, as farras, a amizade. Nosso cérebro e nosso metabolismo foram para o inferno, ignoto lugar carente de coordenadas.
Hoje, somos zumbis, alheios a tudo; letras sem livros, biografias de ninguém. Perdemos a identidade e posses. Eis uma maneira bastante criativa de expatriação: em vez de nos arrancarem do país, arrancaram o país e nos deixaram. Hoje, a Venezuela agoniza em algum exílio, porém, não num exílio geográfico. Não, a Venezuela extingue-se rapidamente num exílio de antimatéria, sem tempo e sem espaço. Seja qual for o interstício quântico em que ela se extingue, não poderemos alcançá-lo.
O país desapareceu da memória das coisas universais; não existem unidades ou instrumentos capazes de medir sua estranha ausência. Não há cadáver a ser sepultado, nem sombra, nem vestígio ou testamento que comprovem a morte. Tudo se perdeu num críptico buraco negro. Mais do que uma morte, deu-se um deslocamento no espaço-tempo.
Logo dirão: “Venezuela? A Venezuela nunca existiu”. Ocorre-me que, na ausência de morte formal, dá-se a ausência de pranto. Aqui, não haverá velório. A coisa não vale nada. Os poucos sofredores potenciais irão, pouco a pouco, para o mesmo não-lugar em que o país escorregou para, nele, desvanecerem-se para sempre.
Estranho final para um país: sequer pudemos ser um Titanic e afundar com um tanto de tragédia e de romantismo. A elegância não foi precisamente uma de nossas características como povo. Não teremos a honra lúgubre de ser Pompéia. Não falarão de nós como de Nínive ou de Tróia. Nunca algum Homero poderá contar que tivemos um Aquiles. Não seremos lã para tecer lendas. Nosso final nos deixará apenas vergonha.”

Tradução de Belkiss Rabelo

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